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domingo, 6 de março de 2011

Uma Loja Diferente (conto maçônico)


O sol iniciava seu caminho descendente enquanto uma suave brisa marinha soprava uma agradável sensação de liberdade naquela tarde de outono. Havia, no entanto, um convite ao relaxamento e à contemplação. "Nada como uma rede nessa hora", pensou.
As redes guardadas nas casas de praia tem um odor próprio, talvez fruto da maresia e da umidade sempre presentes. A sua estava agora no terraço, desde aquela manhã, quando chegara. Dali podia avistar quase todo o bairro daquela cidadezinha litorânea, para a qual costumava ir, nos finais de semana, a cada dois ou três meses.
Sua Iniciação o havia emocionado, e já iam passados três meses desde que escutara aquela frase que o assustara um pouco, talvez pelo sentimento imediato de decepção consigo mesmo, sem saber aonde havia errado: "O que vejo, senhor! Altera-se o seu semblante!"
Deitou-se na rede e um pensamento lhe pedia a atenção: até onde a riqueza dos símbolos, da linguagem simbólica da Arte Real precisava ser acompanhada das joias, pingentes, broches, colares, medalhas, e paramentos que lhe faziam lembrar-se dos desfiles de cardeais da Santa Sé, os almejados representantes da humildade do Cristo?
Estava confuso quanto ao que vinha observando nos últimos meses, procurava compreender e penetrar naqueles mistérios, trazer luz ao seu parco entendimento, mas o balanço da rede, a brisa realçando aquele cheirinho de praia e a hora propícia o fizeram adormecer.
No dia seguinte, uma segunda-feira, tinha um compromisso especial: daquela vez iria visitar a Loja de um seu amigo de longa data, que estava muito feliz por tê-lo como Irmão na Ordem.
Como é o costume nas Lojas, foi muito bem recebido e, ajudado por seu amigo que lhe apresentava a cada um dos Irmãos, foi ficando muito à vontade naquele ambiente fraternal.
- Meus Irmãos, vamos nos preparar para adentrar o Templo.
Ocupando o banco dos Aprendizes na respectiva Coluna, ficou curioso ao observar que seus pares, no mesmo banco, mostravam-se muito paramentados, portando joias, colares e aventais por demais bonitos e bem trabalhados para um simples Aprendiz, muito diferentes dos que esperava encontrar. Fizeram-lhe lembrar daqueles Irmãos de graus superiores e que ainda lhe pareciam inacessíveis nas fotos dos eventos oficiais. Achou, mesmo, que estava na ala dos Mestres, mas, observando a outra Coluna, viu, quase do mesmo modo, os Companheiros também intensamente paramentados, resolvendo esperar e tentar decifrar, ao longo da sessão, aquela charada que ora se apresentava. Talvez fosse uma instrução nova, quem sabe, um Tempo de Estudos diferente.
- Meus Irmãos, ajudai-me a abrir a Loja.
Seus olhos finalmente repararam no Oriente e, o que via, então?! O Venerável, os Mestres Instalados, as Autoridades, todos utilizando aventais de Aprendiz, abeta levantada, totalmente brancos e desprovidos de outros paramentos quaisquer. "O que será que está acontecendo?", conjecturou em silêncio, como um bom Aprendiz.
Ao longo da sessão, também lhe chamou a atenção o fato de que os Aprendizes eram os que mais tempo podiam dispor da palavra, enquanto os Mestres escutavam, ouvindo cada consideração apresentada. “A arte de calar e ouvir precisa ser ensaiada até que seja, de fato, aprendida”, lembrou-se de que tinha lido em algum lugar.
Terminada a sessão, percebeu que não reconhecia aqueles Irmãos, e tampouco encontrava o amigo que lhe convidara, e que ansiosamente procurava, para com ele esclarecer o que presenciara naquelas duas últimas horas.
Chegando à porta, logo ao sair do Templo, sentiu-se elevar-se no ar, afastando-se da Loja lentamente, a visão se lhe desvanecendo, mas ainda a tempo de ler na fachada da Loja: “ARLS Reversa”.
Acordou assustado na rede e, percebendo que havia sonhado, acalmou-se e resolveu conjecturar sobre o que ocorrera naquela Loja, durante seu sono.
Será que, naquela Loja Reversa, os Aprendizes iniciavam seu caminho na Maçonaria cobertos de paramentos e joias, que iriam gradativamente retirando à medida que avançavam nos graus, quer dizer, à medida que venciam suas paixões e se libertavam das vaidades, retiravam uma joia?
Será que esse caminho continuava ao longo dos graus, de modo que, ao atingir o topo da escalada maçônica, tornando-se então mais esclarecidos e iluminados, estariam desprovidos de toda vaidade e, por isso, seus aventais eram alvos, límpidos?
Será que os Aprendizes dessa Loja Reversa falavam mais porque ainda não dominavam, como os Mestres que escutavam, a arte de calar e ouvir e, certamente o conseguiriam mais facilmente depois que avançassem mais na Escada de Jacó?
Concluiu, então, que este poderia ser um bom tema para um Tempo de Estudos voltado para o crescimento de cada um e de todos, e levou a ideia para os Irmãos.
[documento de 5 páginas, em pdf]

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